Na lojinha de regalos do Museu Histórico há mais publicações sobre o Império Russo e seus monarcas, Catarina e Pedro, o Grande, em especial, do que sobre os 70 anos do regime soviético.
Para não se dizer que o tempo já repassou aos pesquisadores todos os registros daquelas décadas do mandonismo comunista, dá para ver à curta distância, na prateleira, uma revista em cores com Stálin e Hitler na capa.
É uma HQ - história em quadrinhos com ilustrações ufanistas e legendas em russo contando como os exércitos soviéticos repeliram, sob as ordens do camarada Stálin, a malsucedida invasão nazista ao território soviético, na segunda grande guerra mundial.
Propaganda não faz história. Material de propaganda não serve como matéria prima indispensável no trabalho sério de historiadores responsáveis.
A história que se conta aqui no Ocidente, neste outro lado da outrora Cortina de Ferro, fala que os dois líderes, o comunista e o nazista, até que se uniram por um tempo num pacto de não agressão e que no contencioso de maldades políticas ainda é difícil saber quem dos dois mandou matar mais gente, incluindo dissidentes políticos, cristãos, judeus, muçulmanos e maçons.
Alguns minutos mais adiante, a grande surpresa! Eu não sabia que o camarada Lênin, o principal líder do proletariado, tinha um automóvel conversível Rolls-Royce.
O espaço destinado a Lênin no Museu Histórico Estatal de Moscou é mínimo, o suficiente apenas para caber o seu automóvel, duas mudas de roupas esportivas, algumas fotos de sua vida em família, do seu escritório de trabalho, tudo protegido por armações de vidro.
Pela medida dos casacos, aliás, muito elegantes, percebe-se que Lênin não era em pessoa nada proporcional à grandiloquência das estatuas erguidas em sua honra e glória no mundo comunista.
Estatura mediana, careca, barbicha, Lênin deixaria, quem sabe, o Roberto Carlos, o nosso cantante, na poeira se saísse, numa porfia, naquele Rolls Royce com uma garota, Inessa Armond, por exemplo, contornando em alta velocidade a curvas da antiga estrada de Santos.
As imagens de antigos filmes em preto e branco chuviscadas numa tela de monitor na parede à esquerda de quem adentra a capsula do museu mínimo mostram o líder proletário, intelectual e estadista, como um político popular e feliz, incapaz de disfarces. Adorava passear de Rolls Royce e passar férias no palacete de Gorki, confiscado pelo governo.
Embora casado com a camarada Nadezda Konstatinova Krupskaia, uma pedagoga de origens aristocráticas tanto quanto ele, Lênin não gostava só de fazer discursos e da velocidade ao ar livre no seu conversível. Sabia ler com absoluta confiança as mensagens que uns certos olhares fêmeos lhe emitiam. Alexandra Kollontai, uma lourinha de São Petersburgo, única mulher no primeiro escalão do Governo de Lênin, Ministra do Bem Estar Social, e também escritora, tem um livro em português do Brasil intitulado “Um Grande Amor” (Editora Rosa dos Tempos).
Sob o olhar contemplativo e silencioso da camarada Krupskaia, Lênin e Inessa Arnond viveram uma paixão tórrida. Há uma foto de Lênin, ainda cabeludo, numa manifestação política em Paris. Inessa era uma jovem francesa, culta, ativista comunista, que a exemplo de John Reed, o americano, mandou-se para Moscou onde chegou poucos dias antes da eclosão do movimento bolchevique.
Reconhecida por seu ativismo, Inessa foi ficando e ainda hoje integra a galeria das mulheres que contribuíram com idealismo e bravura para a vitória dos bolcheviques, liderados por Lênin.
Soube eu depois que esse Rolls Royce conversível, modelo Silver Ghost, em exposição no espaço mínimo do museu, foi comprado em Londres por 1.850 libras, em 11 de julho de 1922. O Governo russo negociava com a Rolls Royce a compra de motores para aviões. O automóvel no pacote saiu com um desconto de 15%.
No início de tudo, já era comum os líderes bolcheviques se locomoverem em automóveis. Da família Romanov, o novo regime confiscou 40 (quarenta). Da chamada burguesia russa, foram expropriados outros 2.500 carros.
Lênin tinha 3 (três) Rolls Royce - tinha o conversível chiquérrimo e dois esquisitões, um sobre trenó para as estradas cobertas de neve e outro sobre esteiras dessas de trator para atoleiros nos invernos.
Nada de estupefação porque eu já sabia da paixão dos ditadores por automóveis de luxo. Hitler era fanático por Mercedes Benz. Mussolini adorava sair sozinho pelas estradas pilotando um Alfa Romeu conversível GC 2300 Pescara Spyder.
No caso de Lênin, um advogado vindo da aristocracia imperial, educado em boas escolas, poliglota fluente em alemão e francês, é compreensível o seu gosto não só por roupas bem cortadas, que o faziam mais elegante e refinado. Também por carros de luxo e moradias confortáveis. Não era um lascado como Hitler. Nem um autodidata mediano como Mussolini.
(Edson Vidigal, Advogado, foi Presidente do Superior Tribunal de Justiça e do Conselho da Justiça Federal. Esteve recentemente em Moscou)
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quinta-feira, 13 de setembro de 2018
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