Aliados de Lula mudam discurso sobre a Lei Ficha Limpa. Defensores da lei que pode atingir o ex-presidente agora dizem que regra até ‘ajuda’
O Globo - Os discursos veementes contra políticos condenados na Justiça, feitos durante a tramitação da Lei da Ficha Limpa no segundo mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, foram abandonados pelos principais personagens da época após a decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), que condenou na quarta-feira o ex-presidente a 12 anos e um mês de prisão.
Passados oito anos da promulgação da lei por Lula, uma reviravolta. Ao confirmar a condenação do petista e, assim, transformá-lo em ficha-suja, o TRF-4 deixou em situação constrangedora, por tabela, alguns aliados do ex-presidente. Políticos que há alguns anos eram ferrenhos defensores da Lei da Ficha Limpa agora tentam adequar seus discursos para defender Lula.
Aprovada no Congresso com apoio irrestrito de todos os partidos e sancionada em junho de 2010, a lei surgiu de uma proposta de iniciativa popular que chegou a Brasília com 1,6 milhão de assinaturas. Quando a lei foi discutida e aprovada no Congresso, o PT, partido de Lula, foi um dos principais entusiastas da ideia que tinha como objetivo moralizar as eleições, retirando das urnas políticos condenados por um colegiado de juízes.
Em um pronunciamento no dia da aprovação da lei no Senado, o ex-senador Aloizio Mercadante, na época líder do PT na Casa, defendeu que todos os possíveis candidatos petistas, independentemente do cargo a que estivessem concorrendo, deveriam passar pelas exigências da nova lei.
— Vou lutar, e tenho certeza que serei vitorioso, para que o meu partido já utilize essas regras como critério para indicação de todos os candidatos nas próximas eleições — declarou Mercadante em maio de 2010.
Na Câmara, o PT também foi protagonista na aprovação da Lei, que teve como relator o então deputado petista José Eduardo Cardozo, posteriormente ministro da Justiça e advogado da ex-presidente Dilma Rousseff no processo de impeachment. Um dos autores da Lei da Ficha Limpa quando era deputado em 2010, o atual governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), afirmou que a lei “ajuda” e não atrapalha Lula.
Dino disse que continua a defender a regra e contou que ele e Cardozo incluíram um trecho que funciona como uma brecha e agora poderá ser usado por Lula. A lei prevê que o condenado possa apresentar recurso no Supremo Tribunal Federal (STF) ou no Superior Tribunal de Justiça (STJ) pedindo a suspensão da inelegibilidade.
— Não tem contradição. Acho que a Lei da Ficha Limpa protege o presidente Lula. Colocamos uma cláusula de escape em caso de perseguição. Não há um paradoxo, porque a lei bem aplicada garante o direito do presidente Lula, o direito de concorrer — justificou Flávio Dino.
Para o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ), que, na época, também fez discursos em favor da proposta, o PT passa por uma situação complicada. O parlamentar destacou que o partido não concorda com o fato de apenas Lula ter sido condenado, enquanto outros investigados continuam fora dos processos, citando o presidente Michel Temer. Ele diz, porém, que ninguém está acima da lei.
— Já há vozes dizendo que a Lei da Ficha Limpa foi um tiro no pé. Mas saio em defesa dela, que foi um passo importante para ampliar a Lei das Inelegibilidades. A lei não tem que ser reinventada: ela é clara em casos de inelegibilidade a partir da condenação de um colegiado. É um paradoxo a questão do maior nome popular poder ser enquadrado, mas isso não se deve levar a achar que a lei não vale nada. Faz parte do processo. Ninguém está abaixo ou acima da lei, que não se pode querer modificar de maneira casuística — disse Chico Alencar.
Para o advogado Márlon Reis, um dos idealizadores da proposta e criador do nome “ficha limpa”, o caso de Lula será uma prova importante para o cumprimento da Lei.
— Esse caso é uma prova para a própria lei. Independente do resultado final, se ela for aplicada e forem observados todos os seus pressupostos, será a maior prova. A Lei da Ficha Limpa é blindada pelo apoio popular quase unânime e não acredito que vá sofrer algum revés. O Poder Judiciário vem aplicando-a bem e o Legislativo certamente não gostaria de passar por esse desgaste de revogá-la — argumentou Márlon.
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