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quinta-feira, 12 de março de 2015

Deu no Vias de Fato: O atual governo do Maranhão e o debate político

No início da década passada, um estudo do jornalista e professor Daniel Herz publicado em novembro de 2002, na revista Caros Amigos, demostrava que o Maranhão havia se tornado o estado brasileiro com a maior concentração dos meios de comunicação. A maioria dos veículos estava sob o controle de José Sarney, sua família e seus aliados, num fenômeno chamado de “coronelismo eletrônico”. Em pouco mais de dez anos, esta realidade praticamente se manteve inalterada, com as mudanças mais significativas se dando por conta do crescente acesso e politização do uso da internet.

O ex-juiz federal Flávio Dino chegou ao poder no Maranhão este ano e, antes mesmo da posse, começou a falar de sua intenção de trabalhar para democratizar a comunicação no Estado. Esta proposta está ligada a própria democratização da política, que implica, entre outras coisas, em garantir transparência nos gastos públicos e na capacidade do governo de saber ouvir e respeitar diferentes formas de manifestação da sociedade, garantindo a ela liberdade de pressão e expressão. O contrário disso passa por censura, intimidação, fraude, cooptação e violência. São práticas antigas no Maranhão, que já ocorriam antes do ciclo de poder de José Sarney.

No que se refere ao debate público, tema diretamente ligado à comunicação social, o governo Flávio Dino está enfrentando, logo no seu início, dois tipos bem diferentes de crítica e aperto. Um é protagonizado exatamente por José Sarney e parte de seu grupo. O outro por setores da sociedade maranhense que desejam (e em alguns casos já exigem) as mudanças anunciadas em campanha.

Por parte de Sarney e Cia o que se observa é a reação de quem vê a possibilidade de ter alguns de seus escusos privilégios serem contrariados e/ou extintos. Já por parte da sociedade, existem setores atuando em defesa de uma agenda com interesses públicos e legítimos. São duas ações bem distintas. Mas, neste contexto, a velha oligarquia/máfia, através de seus diferentes veículos de comunicação, vem utilizando (em alguns casos) a agenda da sociedade para ampliar seus queixumes e esperneios.

Será um erro grave se o governo Flávio Dino nivelar estes dois diferentes tipos de ação, agindo de maneira autoritária, tentando interditar o autêntico debate público, utilizando-se de comunicadores submissos ao Palácio dos Leões para desqualificar a todos que lhe fizerem um juízo negativo ou uma denúncia. Um equívoco observado, logo nas primeiras semanas, foi quando o atual governo partiu para agredir (de maneira injustificável e insistente) indivíduos e organizações com reconhecida história de luta no Maranhão e no Brasil, como foi o caso da Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH), da Conectas Direitos Humanos/SP, da Justiça Global/RJ e de um integrante dos Fóruns e Redes de Cidadania do Maranhão, o juiz de direito Jorge Moreno.

Em entrevista ao programa Observatório da Imprensa, no dia 24 de novembro do ano passado, Flávio Dino, já governador eleito, afirmou que “não se rompe com o passado oligárquico, apenas vencendo uma eleição”. Segundo ele, “é preciso mudar uma cultura política, fundar uma nova institucionalidade”. Nas palavras do atual governador, dar voz a sociedade será o modo autêntico “de romper com a oligarquia”. No programa Roda Viva da TV Cultura, alguns dias antes, Flávio Dino já havia falado em garantir a “liberdade de expressão para todos”. O novo governo - incluindo seus gestores e instrumentos midiáticos - tem que ser coerente com este discurso. Sarney passou a vida toda dizendo uma coisa lá fora e fazendo outra aqui dentro. Vamos mudar esta lógica?

Quem pretende democratizar a comunicação e “fundar a república”, tem que entender e conviver com a crítica, compreendendo que, quem paga imposto e financia o Estado Democrático de Direito, não tem a obrigação de aplaudir governos, sendo inteiramente adequada a ampla possibilidade de exigir e reclamar.

Entre os dias 27 fevereiro e 1º de março, por exemplo, um grupo formado por 70 diferentes comunidades do Maranhão, reunindo indígenas, quilombolas, quebradeiras de coco, assentados e posseiros, organizou um encontro, em Viana, onde avançaram na construção de uma rede de povos e comunidades tradicionais, com o objetivo de articular lutas e resistências, diante do avanço do latifúndio, da grilagem de terras, da mineração e de todo um modelo de desenvolvimento que impera em nossa região. Eles estão falando de setores que hoje estão aliados ao governo Flávio Dino, caso do grupo de Dede Macedo, que tem interesses contrários aos das Quebradeiras de Coco, no município de Dom Pedro. Este evento contou com o apoio da Comissão Pastoral da Terra (CPT), do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), da Rede Justiça nos Trilhos, do Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB), do Movimento Quilombola do Maranhão (MOQUIBOM) e do Núcleo de Extensão e Pesquisa com Populações e Comunidades Rurais, Negras Quilombolas e Indígenas da Universidade Federal do Maranhão (NURUNI). Será, então, que este povo não deve (nem pode) criticar o governo Flávio Dino, quando assim achar necessário?

No Maranhão, o interesse público não pode ficar no meio de um antigo duelo entre os inimigos e os aliados incondicionais do Palácio dos Leões (até porque, nesta politicalha, os inimigos de ontem, costumam se tornar os amigos de amanhã e vice-versa). Neste processo atual, tem que diferenciar o debate, do boicote. Tem que separar o interesse social, da mesquinharia e da brutalidade das antigas disputas partidárias. Não queremos aqui negar os conflitos naturais da política, mas consideramos fundamental elevar o nível da discussão em torno de temas de interesses coletivos...

Não dá para querer que a sociedade se comporte como a atual Assembleia Legislativa do Maranhão, onde é feito, em termo de discussão, apenas um joguinho entre “gatos” e “ratos”, que praticamente não interessa a população. Ali o espaço do embuste já está garantido em figuras como Rogerio Cafeteira, Adriano Sarney, Edilázio Junior, Andrea Murad, Humberto Coutinho... A moderação camaleônica de Adriano Sarney é ridícula, a subserviência malandra de Roberto Costa ao governo é asquerosa e o discurso de posse de Humberto Coutinho citando, cinicamente, que “não há democracia sem parlamento livre”, é lastimável!

Deve ficar bem claro, também, que democratizar a comunicação não é seguir o padrão Edivaldo Holanda Braga, onde a licitação que possibilitou a contratação de agências de propaganda pela prefeitura de São Luís garantiu polpudos contratos, com figuras que participaram de sua campanha eleitoral, em 2012. Este tipo de coincidência fica muito, muito estranha... Principalmente, para quem falou em mudança! Se o nosso estado fosse outro, seria um caso de investigação. Porém, como disse Flávio Dino em recente entrevista para a revista IstoÉ, no Maranhão, “os mecanismos de controle interno, externo e as ações do Ministério Público sempre foram muito frágeis, de baixa eficácia”. É verdade.

Ainda sobre as agências de publicidade, ao longo dos anos, é  através delas que circula a maior parte do dinheiro que financia os diferentes veículos de comunicação e as “aguerridas” penas e línguas alugadas. Nos tempos de Roseana, terá que ser registrado pela história a relação entre os governos dela, o Sistema Mirante e estas agências, com destaque para a VCR e a AB propaganda. Tutti buona gente!

Finalizamos este editorial ressaltando que José Sarney, eleito governador em 1965 pelas mãos da ditadura, teve como meta, desde o início, abafar o debate político no Maranhão e calar as críticas e denúncias que lhe eram feitas. A perseguição e os processos contra os bravos Domingos Freitas Diniz e José de Ribamar Bogéa, ocorridas ainda na década de 1960, foi o início de uma história de profunda repressão.  A pesquisa de Daniel Herz, feita 30 anos depois, revela o cenário de quase totalitarismo, montado pelo grileiro do Convento.

A expectativa agora é que nesta nova conjuntura - que inclui, entre outras coisas, a derrota eleitoral do PMDB e o potencial subversivo da internet - este debate sobre o Maranhão, com a crítica e a denúncia garantida, possa ser realmente fortalecido e estimulado. E que o novo governo participe deste processo de maneira verdadeiramente republicana. Em nome da mudança, insistentemente anunciada e propagada.


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