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terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Apenas 38% dos presos recebem atendimento do SUS

O Globo

SÃO LUÍS — O Sistema Único de Saúde (SUS) chega a menos de quatro entre dez detentos nos presídios brasileiros. Um levantamento oficial do Ministério da Saúde aponta que apenas 38% da população carcerária recebem atendimento primário por equipes financiadas pela União. Isso significa que 310 mil presos, de um universo de 500 mil, não são acompanhados diretamente por uma equipe do SUS. Técnicos do ministério ressaltam que a cobertura de saúde mental é ainda bem inferior ao índice de 38%, uma vez que faltam psiquiatras nas equipes médicas montadas no cárcere.
Presos no Hospital Psiquiátrico Valter Alencar, em Teresina Agência O Globo / André Coelho
Há dez anos, os ministérios da Saúde e da Justiça instituíram a Política Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário. Portarias editadas pelas próprias pastas são descumpridas na execução do programa. Em 2007, os valores a serem repassados anualmente às 27 unidades da Federação foram atualizados para R$ 46,1 milhões. Ano passado, os estados receberam apenas R$ 8,3 milhões para gastar com atendimento em saúde nos presídios, 18% do valor estipulado em portaria.

No Maranhão e no Piauí, a realidade da loucura no cárcere foi mostrada pelo GLOBO nas primeiras reportagens desta série. Os dois estados aderiram ao programa em março e dezembro do ano passado, respectivamente. Os repasses de dinheiro para custeio de equipes multiprofissionais de saúde nos presídios são feitos a partir da aprovação da adesão. No caso dos dois estados, a inclusão demorou dez anos para ocorrer.

Os recursos são repassados conforme o tamanho da população penitenciária. Para o Maranhão estão previstos, desde 2007, R$ 583,2 mil anuais. Para o Piauí, R$ 648 mil. Nos presídios em que a equipe de reportagem esteve, não havia médicos ou enfermeiros atendendo. Outro estado visitado, Goiás, teve o repasse suspenso, em 2011, em razão da baixa execução dos recursos. A decisão do Ministério da Saúde atingiu mais sete estados naquele ano.

Enquanto o SUS não chega aos presídios, a Justiça no Maranhão trava uma batalha com o governo do estado para conseguir tratamento psiquiátrico e internação aos loucos infratores que estão presos. Um termo de compromisso, por iniciativa da 2ª Vara de Execução Penal, chegou a ser firmado para que o Hospital Psiquiátrico Nina Rodrigues — o único da rede pública — abra vagas aos pacientes.

A unidade rejeita internações, como ocorreu com Francisco Silva Costa. Absolvido pela Justiça em função de esquizofrenia e em cumprimento de medida de segurança, ele permanecia preso na cadeia de Poção de Pedras, no Maranhão. Francisco foi encaminhado ano passado para o Hospital Nina Rodrigues, que se recusou a interná-lo. O detento voltou para a cadeia no interior e, poucos dias após, cometeu suicídio. O caso foi encaminhado ao Conselho Nacional de Justiça.

— Viemos para cá e depois voltamos para Poção. Disseram que a gente não precisava estar numa clínica, mas na cadeia. Ele botou na cabeça que ia morrer e então decidiu se matar — conta Reginaldo Silva, ex-colega de cela de Francisco, agora internado no Hospital Nina Rodrigues.

Outro programa federal, o De Volta Para Casa, praticamente excluiu pessoas em cumprimento de medidas de segurança. O projeto do Ministério da Saúde vigora há dez anos e busca a reinserção social de pacientes psiquiátricos, oriundos de longas internações. O programa surgiu na esteira da Lei Antimanicomial, de 2001, que preconiza a internação mínima de pessoas com transtornos mentais.

Uma lei de 2003 instituiu o pagamento do auxílio-reabilitação psicossocial, forma de estímulo ao retorno à comunidade. Em 2012, foram pagas 4,1 mil bolsas, cada uma no valor de R$ 320 por mês. O benefício não chegou aos loucos infratores oriundos de presídios, manicômios judiciários e clínicas.

— O programa De Volta Para Casa não tem nada a ver com o sistema prisional. Não há pacientes oriundos de prisões ou manicômios judiciários. Esse é um mundo à parte, que estamos discutindo agora com o CNJ — diz o secretário de Atenção à Saúde do ministério, Helvécio Magalhães.

Não é o que diz a lei que instituiu o auxílio-reabilitação: “Egressos de hospital de custódia e tratamento psiquiátrico poderão ser igualmente beneficiados, procedendo-se, nesses casos, em conformidade com a decisão judicial”, diz o texto. Outro ponto crucial são as chamadas residências terapêuticas, custeadas pelo SUS para receber pacientes oriundos de hospitais psiquiátricos. O dinheiro é repassado aos municípios. A gestão cabe aos estados.

— As residências terapêuticas não contemplam presos nem oriundos de manicômios judiciários. As pessoas têm de estar fora do sistema judiciário — diz Helvécio.

O juiz Luciano Losekann, auxiliar da presidência do CNJ, critica o baixo alcance do programa. Funcionam hoje, no país, 636 residências terapêuticas; 145 estão em fase de implantação:
— O De Volta Para Casa não funciona. Faltam residências terapêuticas, e a participação de egressos de presídios e manicômios é muito baixa.

No Maranhão, apenas São Luís e Imperatriz têm residências terapêuticas em funcionamento. Nenhuma vaga é destinada aos loucos infratores. Também não há vagas para esses pacientes em Teresina, única cidade do Piauí a contar com residências terapêuticas. O Ministério da Saúde diz que vai ampliar a cobertura de saúde em presídios e cadeias públicas.

— Queremos chegar a 60% de cobertura nos presídios ainda neste ano. O valor repassado por equipe de saúde hoje é de R$ 3,7 mil. O projeto é passar a R$ 35 mil por equipe — diz Helvécio.

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